A indústria no Brasil está sofrendo com a falta de matérias-primas em diversos setores da economia. O problema afeta a quantidade e a qualidade da produção em segmentos como o da construção civil e o de móveis, dizem empresários. Segundo eles, a escassez desses insumos também é responsável por reajustes de preços de até 170% que estão atingindo toda a cadeia industrial e chegando aos consumidores finais. Falta material para construção de casas e até para fazer colchões.
O problema começou com a pandemia. As medidas de restrição para conter o avanço da doença no país interromperam, em diversos momentos, a produção de insumos importantes para a indústria, como aço, resinas de plástico, vidros e painéis de madeira. Quando a economia voltou a andar, também em alguns momentos, as encomendas foram maiores que os estoques que existiam.
DÓLAR ALTO AINDA PIORA TUDO
Para complicar, muitas dessas matérias-primas são cotadas em dólar porque têm mercado em qualquer lugar do mundo. Com a valorização da moeda americana, esses insumos ficaram ainda mais caros e escassos.
O suprimento de matéria-prima até vem melhorando devagar, mas os preços não estão baixando.
“O problema da falta de matérias-primas vem se dissipando desde o último trimestre de 2020. A gente começa a ver essa redução da escassez, mas não com relação ao preço. E o preço não vai voltar ao patamar pré-crise, porque o mundo mudou” - André Rebelo, diretor de Economia e Estratégia da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo
Isso já chegou ao bolso dos consumidores. O IGP-M, índice de inflação que mede preços em toda a economia e é usado para reajuste de aluguéis, por exemplo, já acumula alta de 31% em 12 meses.
QUAL A CAUSA DA ESCASSEZ?
Segundo o diretor da Fiesp, "cada setor tem sua história de falta de matérias-primas", mas há pontos em comum a todos eles.
- Paradas da produção: Por causa da covid-19, muitas partes da cadeia da indústria interromperam a produção no segundo trimestre de 2020. Quando as cidades reabriram suas economias, os estoques não deram conta dos pedidos.
- Concorrência mundial: Na hora de refazer os estoques de insumos, a indústria viu uma disputa maior pelos mesmos produtos. A atividade econômica em outros países voltou com força, em especial na China, que saiu comprando muito minério e aço, por exemplo. Essa disputa provocou escassez e aumento dos preços.
- Dólar caro: Os preços subiram também porque o dólar se valorizou. Antes da pandemia, no fim de janeiro de 2020, ele valia R$ 4,29. Atualmente está na casa dos R$ 5,60.
O QUE ESTÁ FALTANDO E ONDE OS PREÇOS SUBIRAM MAIS?
A escassez de insumos para indústria e preços mais salgados estão em diversos setores da indústria - da microempresa ao fabricante de eletrodomésticos, passando pela construção civil.
- Construção: Segundo a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), 84% das 206 empresas consultadas em pesquisa da entidade responderam, em março, que há desabastecimento de aço em suas regiões. O prazo médio de entrega chega a 90 dias, para 26% dos empresários. Antes, um atraso desse tamanho só atingia 6% dos empresários.
“Quando a construtora tenta comprar da siderúrgica e não consegue, vai na distribuidora e se depara com um valor muito alto. Precisamos de um choque de oferta para restabelecer o equilíbrio com a demanda. Nossa proposta é a redução imediata do imposto de importação” - José Carlos Martins, presidente da CBIC - Câmara Brasileira da Indústria da Construção
- Móveis: As fabricantes de móveis e colchões dizem que há falta de ferragens, vidros, painéis de madeira, como MDF, aço e espumas. Segundo a Abimovel (Associação Brasileira das Indústrias do Mobiliário), o empresário que encontra o insumo e consegue produzir enfrenta dificuldades para, depois, distribuir o produto por falta de embalagens de papelão, plástico e vidros.
“A escassez, somada ao câmbio valorizado resulta em alta de preços, que chega a ultrapassar 170% em alguns segmentos. A utilização de capacidade instalada na indústria de móveis ficou em apenas 48,2% em janeiro, e 42,8% em fevereiro de 2021. Havia uma expectativa de que a situação pudesse melhorar no primeiro semestre, mas infelizmente o setor ainda não observa sinais de melhora até agora” - Cândida Cervieri, diretora-executiva da Abimóvel.
- Embalagens: A falta de papel e papelão apontada pela Abimóvel é confirmada pela Fiesp. E também por causa da pandemia. Parte do que as pessoas pararam de gastar com lazer foi para a compra de bens, como eletrodomésticos, dizem os empresários. Isso tudo é embalado em papelão. Também há o crescimento do delivery de alimentos e compras online, nos quais os produtos vão embalados em muito papel e papelão. Resultado: há disputa por papel e papelão na indústria.
“Houve um deslocamento permanente da curva de demanda por embalagens. E não há um mercado global desse tipo de matéria-prima. Felizmente, o Brasil é um grande produtor e vem expandindo a produção” - André Rebelo, diretor de economia e estratégia da Fiesp.
- Microempresa: 91% das micro e pequenas indústrias dizem que a alta de preços das matérias-primas é o maior entrave à produção neste momento, segundo pesquisa de fevereiro do Datafolha a pedido do Sindicato das Micro e Pequenas Indústrias do Estado de São Paulo (Simpi). Para 65% desses empresários, falta matéria-prima, e para 58%, há atrasos na entrega.
“Desde setembro, estamos salientando a importância da vacinação em massa, da manutenção do auxílio emergencial, bem como do crédito para as empresas e prorrogações tributárias. A morosidade nas decisões desde o início da pandemia nos trouxe até aqui” - Joseph Couri, presidente do Simpi.
https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2021/04/07/industria-sofre-com-falta-de-materia-prima-e-consumidor-paga-a-conta.htm